dbnv#020 | A Nike não tem camarote
dennis bergkamp no vélodrome é uma newsletter quinzenal para os assinantes do podcast Meu Time de Botão, uma produção da Central3 no ar desde 2013
[por leandro iamin]
As propagandas da Quilmes, de quatro em quatro anos, são ótimas. Melhores do que a cerveja, aliás. Que é boa, claro, mas não tanto. Virou parte do rito mundialista daquele país esperar a peça publicitária da cerveja dias antes da Copa começar e deve ser difícil achar um trampo mais honroso na profissão do que ganhar o roteiro deste produto.
No Brasil, a cervejaria futeboleira fez um outro caminho. A Brahma conseguiu selar a campanha do tetra, como patrocinadora oficial. Seu slogan, "a número 1", adornou bandeiras e camisas nas quentes arquibancadas dos Estados Unidos. Era o primeiro ano da parceria. Deu sorte, porque deu tetra. O jingle foi um hino. "Vai Brasil dá um show, mete a bola na rede..." e tal.
A propaganda contou com Romário, Bebeto, Zinho, Ricardo Rocha, Mauro Silva, e extrapolou o universo publicitário: estava previsto para alguns jogadores um pagamento pela comemoração de gol e título com o gesto de "1" com as mãos. A comemoração na final do penta, nos gols de Ronaldo em Yokohama, são o maior exemplo deste acordo. Em 94, na véspera do jogo contra a Itália, Romário apareceu numa praia de Los Angeles para um evento promocional de um esporte novo chamado Beach Soccer vestindo camisa e boné da cervejaria. Foi um patrocínio simbiótico.
A relação extrapolou severamente na Copa do Mundo seguinte - ao menos para os mais puritanos. Se já tínhamos aceitado que jogadores comemorassem usando o dedo indicador como garoto-propaganda, o que acharíamos de uma posição da equipe ganhar um nome publicitário? Bem, foi um ano agressivo por parte da Brahma: já em fevereiro, no carnaval, a presença de Maradona no "Camarote Brahma", ao lado de Edmundo e Rivellino (e Hortência, Miguel Fallabela, Lula, Beth Carvalho, Tom Cavalcanti...), bateu fundo. A Brahma trocou os abadás vermelhos pelos amarelos com detalhes verdes. Era ano de Copa, e Maradona com aquelas cores, muito animado com a festa, marcou época.
A campeã do carnaval de 1998 foram duas, Beija-Flor (com o "O Mundo Místico dos Caruanas") e Mangueira (cantando Chico Buarque), mas não precisamos explicar isso para Diego.
Mario Jorge Lobo Zagallo começou a soltar, despretensiosamente, em entrevistas, que precisava encontrar "o número 1" de sua seleção. Escalada no 4-4-2, a Seleção se viu envolvida em um forçado debate sobre a função "do número 1", que seria o jogador que liga meio e ataque e que, por décadas, foi meio que o "camisa 10", ou simplesmente "o meia", ou "o armador". Número 1 pra cá, número 1 pra lá, Juninho Paulista se machuca e deixa de ser o número 1, Giovanni ganha força, talvez vá ser o Rivaldo mesmo, enfim: lá estava a Brahma esticando a corda, esticando os limites do que deve se manter protegido da faminta natureza da publicidade.
Perto da estreia, Zagallo, ao montar um time com dois meias, num 4-4-2 mais "quadrado" do que "losango", se saiu com essa: "Vou tentar usar dois na função. O Rivaldo pela esquerda e o Giovanni pela direita. Mas o número 1 continua em campo". Ué.
A loucura seguiu e até Luxemburgo, em 99, teve que responder sobre manter "O número 1" no time. Deu lide na Folha: "O técnico da seleção brasileira, Wanderley Luxemburgo, ressuscitou o número 1, figura quase mítica criada pelo técnico Mario Jorge Zagallo, seu antecessor no cargo, para definir o atleta responsável pela ligação entre o meio-campo e o ataque da equipe". A cervejaria inventou um mascote, uma tartaruga, pra Copa de 2002, fez cervejas temáticas de adversários pra Copa de 2006, tentou emplacar o apelido de "Guerreiros" pro time em 2010 e continuou ao lado da Seleção.
Em 2022, a cervejaria financiou (nem queira saber com quantos Reais...) uma torcida chamada Movimento Verde Amarelo, possivelmente a pior experiência de arquibancada da história do futebol. O número 1 de 1998 foi Rivaldo, mas Giovanni estreou titular. Após França 3x0 Brasil, Ronaldo Fenômeno, em seu fatídico dia da convulsão, esperou a entrega das medalhas inexplicavelmente com as chuteiras penduradas no pescoço pelos cadarços. Era um modelo novo e personalizado da Nike, sua patrocinadora pessoal e maior parceira da Seleção. Mas aí é uma outra história.
A Nike não tem camarote no carnaval.
Vale a pena ver de novo? As propagandas da Quilmes para as Copas do Mundo:
1994:
1998:
2002:
2006:
2010:
2014:
2018:
2022:
um levantamento
A Folha, com sua obsessão pelos levantamentos estatísticos e seu recheado caderno de Esportes diante da Copa do Mundo de 1990, anunciou na manhã da final do maior torneio de todos: a maioria dos pênaltis vai no canto direito. Mais tarde, o goleiro argentino Sergio Goycochea foi na probabilidade maior – pulou rumo ao pé da trave no lado com principal chance de chute. E Andreas Brehme, convicto, também não fugiu do óbvio. Ele correu com sua camisa número três e, ambidestro tinhoso, foi com a perna direita, já que quatro anos antes tinha cobrado uma penalidade no México usando a canhota. Gol de novo. O termo em inglês nos obituários fala em “two-footed". O título do livro de Brehme é ainda melhor: “sure-footed". O alemão nascido em Hamburgo morreu nessa semana aos 63 anos. Como você estuda um batedor de pênaltis que não tem perna boa e perna ruim? Um grande.
um vídeo: o que vem por aí
Mário Jorge Lobo Zagallo é um ídolo do Flamengo. Ele nasceu em Maceió, mas a família logo mudou para o Rio de Janeiro, e ainda que ele, cria da Tijuca, tenha batido uma bola no América, foi no rubro-negro que ele começou a carreira como jogador. Ficou lá de 1951 até 1958, onde ganhou sete títulos e bateu campeão do mundo com a seleção. Como técnico, foram mais nove conquistas em três passagens, primeiro em 1972/73, quando firmou Zico como titular do time, depois em 1984/85, na volta do Galinho, e por fim em 2000/01, quando fez seu último trabalho. O Meu Time de Botão em homenagem ao Velho Lobo, um sinônimo de futebol brasileiro que morreu nesse comecinho de 2024, vai detalhar essa última temporada de Zagallo como treinador de futebol, pouco mais de um ano na frente de um Flamengo que patinou demais, mas ainda assim levantou duas taças, uma delas numa batida de falta eterna no Maracanã. O Petkovic, invocado na bola parada, repetiu o chute anos depois, de calça jeans e camisa.
uma ficha técnica
Em 1964, também conhecido como há sessenta anos, a Siderúrgica, de Sabará, ganhava o último Campeonato Mineiro antes da Era Mineirão. O jogo do título foi contra o América no Estádio da Alameda. O técnico era Yustrich, ex-goleiro do Flamengo que ganhou o apelido pela semelhança com o colega de posição argentino. O ponta era Tião, o Tião Cavadinha, que tanto armou para gols de Dario no Galo. Dizem que o apelido surgiu exatamente de uma jogada indicada pelo treinador – vai no fundo e cava, não muito alto, para o centroavante guardar. A ficha é da RSSSF.
um programa da semana
Era uma vez o Campeonato Francês depois do domínio do Lyon e antes do inflacionado PSG. As ligas de 2009 e 2010 foram bem animadas. Botão #278.
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