dbnv#021 | Galeano
dennis bergkamp no vélodrome é uma newsletter quinzenal para os assinantes do podcast Meu Time de Botão, uma produção da Central3 no ar desde 2013
[por paulo junior]
Marcos Aurélio Galeano já tinha completado seus quase 500 jogos com a camisa do Palmeiras quando voltou ao Parque Antarctica, desta vez, como visitante.
Também já tinha feito o gol mais importante de sua vida, dois anos e meio antes, e seguia a carreira com a hombridade de um batalhador brasileiro, um trabalhador da bola, um valente jogador que compensava qualquer limitação técnica com muita liderança e sobras de vontade. Se não era um César Sampaio, tudo bem. Foi Galeano.
Subiu o Jardim Suspenso de alvinegro, não o do maior rival, mas um carioca. Alguém vai falar que há coisas que só acontecem com o Botafogo, outro vai dizer que é exagero de linguagem, e o volante de 30 anos precisou responder na véspera se iria festejar caso marcasse um gol contra o ex-time.
Reforçou que não, e a diretoria da Estrela Solitária se irritou. Chegou a oferecer cinco mil reais se o camisa 5 balançasse as redes palmeirenses. Galeano não era um grande artilheiro, longe disso, um esforçado marcador, às vezes zagueiro, que fazia seus três ou quatro golzinhos por ano, uma ou outra subida de cabeça.
Podia ter feito só um, aquele do Morumbi, em 2000. O Palmeiras empatava com o Corinthians e precisava vencer para levar a semifinal da Libertadores para os pênaltis. Alex bateu a falta, a bola pingou na área e atravessou um mundo até encontrar o peixinho de Galeano, nas costas de toda a defesa, tocando para o gol. Da marca da cal, o épico: bateu Marcelinho, defendeu Marcos e se redefiniu a história.
Mas agora o guerreiro vestia preto e branco. Quando os times entraram em campo, a arquibancada não chegou num consenso, e enquanto uma turma puxava uma homenagem saudosa, outra vaiava. Qual é a melhor forma de se receber um herói como visitante? O Zezé, lá em São Bernardo, dizia que jogador bom melhora quando é xingado, mas jogador ruim, piora. Galeano era bom ou era ruim?
O Palmeiras fez dois no começo, o Botafogo diminuiu ainda no primeiro tempo, e na volta do intervalo o goleiro Sérgio, numa saída grosseira, fez um pênalti de manual. Sabe-se lá por que, Galeano era o batedor. Cobrador "oficial", como se diz, imaginando um protocolo emitido por um despachante com a lista dos chutadores.
Tomou distância e chutou caprichosamente para fora. De chapa, um para fora bonito, colocado, não um para fora qualquer, um para fora com ângulo, corpo virado, tapa certeiro. Deslocou o goleiro, as chances do Botafogo vencer o jogo e qualquer racionalidade possível. O senhor do degrau debaixo resumiu com maestria: "gente, era o Galeano".
Era o Galeano, sim. Na saída do campo, disse que o torcedor palmeirense procurou respeitá-lo, e ele buscou fazer o mesmo.
É verdade que nos tantos anos de casa ele foi mais xingado que aplaudido. Quando as crianças ficavam esperando no fosso desde a hora do almoço para entrar no vestiário e subir de mãos dadas com o elenco, o nome daquele jogador troncudo, alto e loiro era o menos celebrado. Quando o placar cantava Arce, as crianças chacoalhavam os braços. Quando dizia Aaaaaaaaa-lex!, idem, pura festa para o camisa 10. Mas na hora do Ga-le-a-no, a molecada chiava. Uma turminha do amendoim que pegava no pé antes da bola rolar.
Então foi a redenção. É claro que o lance mais icônico é o desvio de cabeça que galeanou na rede corintiana, mas o pênalti que ele mirou no orelhão atrás do gol da entrada principal do Palestra Itália é também inesquecível.
Se tem coisas que só acontecem com o Botafogo, ali foi o exagero feito teste para confirmar a regra. Galeano é tão Palmeiras quanto a terra é redonda. E se o clube foi rebaixado semanas depois — ambos, aliás —, não foi por falta de ajuda de seu mais ilustre operário, notável porque numa das maiores fases da camisa verde e branca.
uma página dupla
No centenário do Vasco, em 1998, a revista Placar perguntou a seis torcedores ilustres sobre o sentimento de seguir o clube. Houve um tempo em que a publicação ajudava a matar a curiosidade do povo sobre os times do coração dos famosos. Na eleição dos primeiros 100 anos vascaínos, houve lugar só para um jogador mais recente, Edmundo. O onze: Barbosa; Augusto, Bellini, Orlando Peçanha eJorge; Danilo, Maneca e Eli; Ademir, Roberto Dinamite e o Animal. Foram 30 pessoas convocados a votar, e vale cantar o time lembrado pelo saudoso Jamelão, à época com 85 anos, escalando seu time de infância: Jaguará; Brilhante, Itália, Tinoco e Fausto; Mola, Pascoal e Oitenta e Quatro; Russinho, Mário Matos e Santana. Que pedaço de time, amigo.
um vídeo: o que vem por aí
Em 1996, Leverkusen e Kaiserslautern fizeram um confronto direto contra a queda no Campeonato Alemão. O jogo colocava frente a frente dois parceiros históricos da seleção: Voller e Brehme. Era o fim da temporada e também os últimos passos das carreiras dos amigos. Melhor para o primeiro. Brehme, rebaixado, resolveu ficar para a segunda divisão. Subiu campeão em 97 e ainda seguiu no elenco para conquistar a Bundesliga em 98. Nosso amigo Leandro Stein contou tudo aqui, em história que de alguma forma, no meio de outras, vai fazer parte dum Botão logo mais. Em breve.
uma ficha técnica
Saiu a primeira convocação de Dorival Junior como técnico da seleção e, como de costume, a atenção vai para as novidades, o gosto fresco do treinador debutante. Em novembro de 2000, Emerson Leão promoveu duas estreias no seu primeiro jogo comandando a amarelinha, sob vaias no Morumbi: Lúcio, zagueiro do Internacional, fez seu primeiro jogo logo como titular, iniciando uma bonita parceria com Roque Júnior, que já vinha jogando antes; e Adriano, ainda no Flamengo, ganhou uns minutos substituindo França, jogador da casa. No ano seguinte ele botou em campo pela primeira vez no time nacional a seguinte turma: Robert, meia do Santos, Belletti, lateral do São Paulo, César, zagueiro do São Caetano, Alessandro, lateral do Atlético-PR, Leomar, volante do Sport, Washington, centroavante da Ponte Preta, Mineiro, volante também da Ponte, Ewerthon, atacante do Corinthians, Léo, lateral do Santos, Vágner, meio-campista do Celta, Magno Alves, atacante do Fluminense, Leandro Amaral, atacante da Fiorentina, Ramón, meia do Fluminense, Júlio Baptista, meia do São Paulo, Fábio Rochemback, volante do Inter, e Carlos Miguel, meia do São Paulo. Foi demitido no aeroporto, voltando da Coreia do Sul, com oito meses de cargo. A ficha é do Globo.
um programa da semana
A Argentina não tinha mais Diego Maradona, mas falta de talento nunca foi exatamente um problema, e havia time pra ser campeão do mundo, não? O caminho até a Copa da França, que acabou no gol que dá nome à newsletter. No Botão #279.
dennis bergkamp no vélodrome é uma newsletter enviada para os assinantes das categorias Freddy Rincón e Johan Cruyff do podcast Meu Time de Botão na plataforma de financiamento coletivo Padrim. Considere recomendar nosso trabalho a amigas e amigos para seguirmos firmes com nosso projeto. Agradecemos demais a companhia e o apoio de vocês. O podcast e a newsletter são quinzenais, em quintas-feiras alternadas, numa produção de Leandro Iamin e Paulo Junior, na Central3.
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