dbnv#022 | Os clássicos
dennis bergkamp no vélodrome é uma newsletter quinzenal para os assinantes do podcast Meu Time de Botão, uma produção da Central3 no ar desde 2013
[por leandro iamin]
-Eu só assisto os clássicos.
Nunca tinha passado pela cabeça aquela relação com o jogo: só assisto os clássicos. Do seu time só, ou dos outros também? "Os paulistas", respondeu o corinthiano. Na conta, são seis no estadual, outros doze no brasileiro, mais um encontro aqui e ali nos finalmentes dos mata-matas. Com exagero e tudo, 25 jogos no ano, vai. O cara vê 25 jogos no ano. Tudo clássico. E o futebol o contempla totalmente.
O pior é que faz sentido. Por qual razão firmamos compromisso de assistir 75 jogos por ano para nos sentirmos habilitados como torcedores? Ele não fica pendurado numa tábua de pontuação toda segunda-feira. O Goiás está descartado de sua rotina e saber a quantos pontos da degola está o Cruzeiro não é um assunto dele. Gosta de bola, mas não a ponto de manter, de forma permanente, por 11 meses ao ano, os chaveamentos e suas repercussões a cada atualização. Encontrou uma forma de separar o filé da carcaça. Achou um modo de acompanhar o futebol de tal modo que cada jogo começa e termina em si mesmo.
Se é final ou semifinal, melhor ainda, mas no método dele tá tudo delimitado: encontrou uma relação de encantamento a partir da oferta enxugada, um trato feito, o que ele oferece de atenção é isso, e a experiência é essa, pão pão, queijo queijo, clássico é clássico, evitando, de quebra, boa parte das frustrações com as quais nós, da turma dos 75 jogos, convivemos. Para ele, "jogo ruim" é um parâmetro sem significado. Ele está protegido pelo casaco que lhe serve.
Tem também o rapaz que, com cansaço semelhante e uma peculiar reação tardia à descoberta adolescente da geopolítica, gosta mesmo é de mapas, vizinhos futriqueiros-de-fronteira, bandeiras decoradas na memória, hinos, orgulhos patriotas sensíveis, e o negócio dele é seleção. A Copa do Mundo é o máximo, claro, mas ele se motiva pra pegar um México x Nicarágua meia-noite porque comparou os governos e lembrou de um problema diplomático de anos antes. Gosta da sensação de que é só a nata da nata de cada país. Tem esse cara. E tem também aquele que, antes da seleção, tem outra seleção.
É o flamenguista de Arapiraca, pois. O jogo do Flamengo é a chance dominical de jogar conversa fiada entre os tempos - e durante eles - com o primo, o sogro e o irmão, dois do CSA, um do CRB, outro só Flamengo mesmo. Os códigos fluem com tal facilidade, as alianças de provocação mudam a cada minuto, até o Flamengo pedir atenção e união. Não é que há debate sobre haver duas paixões clubísticas no mesmo coração: é que ele gosta do primo, do sogro e principalmente do irmão. O Flamengo é mais a ocasião do que o time. Todo mundo torce junto em Copa, mas demora, então ele pegou o atalho do encontro de bola, esperto, e domingo já tem jogo de novo.
Dia desses o presidente de um clube de primeiro mundo anunciou que, para a sua desejada Superliga, pretendia vender pacotes de TV com a transmissão apenas dos 15 minutos finais. Fez mais: chegou a sugerir que partidas menores talvez fossem um bom negócio nesse mundo em que ninguém dá 90 minutos seguidos de atenção a algo. Algum estudo foi feito. Tem gente que topa só espiar o desfecho, noventa minutos é coisa demais, no basquete, você sabe, tá cheio de gente que só topa ver os 3 minutos finais - aqueles que duram quinze -, então que tal colocar esse público num pacote de transmissão? Sei não.
E não pense que não existe quem consome o futebol real só para entender melhor o seu futebol virtual, do video-game, ou quem cria times próprios e vive da imaginação, quem milita apenas em nome do futebol amador sem resvalar no jogo dos consagrados e aquele que, no fim das contas, transita no garimpo dos lances de gênio e namora, de tempos em tempos, times diferentes, craques distintos. Essa você já ouviu de alguém: "Gosto é de futebol bem jogado". Esse cara só não troca de time de dois em dois anos porque o ambiente não deixa. Todos são sinceros e merecem encontrar o seu próprio jeito de se encantar.
Pelo rádio, dia desses, na estrada, internet mambembe no celular, ouvi um clássico pelo fone de ouvido. Quando dei por mim, estava me esforçando para imaginar tudo que o narrador descrevia na partida usando tintas de ontem. Visualizei o jogo com camisas verdes de 1989, camisas tricolores de 1992, o Morumbi com aquela rede profunda, o gramado meio duro, a geral e as numeradas sem dividir espaço com setores corporativos, juiz todo de preto, chuteiras todas pretas. Depois vi os gols pela TV. O clássico que eu imaginei foi muito diferente.
um print
Quando Vanderlei Luxemburgo assumiu a Seleção após a Copa de 1998, viu o que é uma unanimidade. Luxa assumiu como um consenso geral, e se a CBF levou mais de 5 minutos para decidir, gastou tempo de bobeira. À época, acompanhando o crescimento da influência e do capital carismático da figura do treinador de futebol, a TV Bandeirantes tinha porta aberta com os técnicos, sempre convidados a formar a mesa do Apito Final, programa dominical que, mais tarde, deu espaço ao Super Técnico, este um programa com a figura dos "misters" como eixo central: era uma reunião de treinadores mediadas por, na maioria das vezes, Milton Neves. Naquele Apito final do fim de 1998, Armando Nogueira, Bobô, Gerson e Luciano do Valle tinham certeza: o Brasil voltará a jogar futebol ofensivo e leve. Um telespectador mandou até um desenho comparando Luxemburgo a Rambo, na busca pelo Penta.
O Penta veio, mas sem o Luxa e sem o Rambo. Em trinta de junho de 2002, na Rua Taioaba, na Mooca, São Paulo, a turma mandou bem: as ruas já tinham a quinta estrela pintada, alguém convocou a melhor TV da vizinhança, e, com moletons e capuzes, porque Copa é inverno, assistiram a final na rua, mesmo, manhã ensolarada de domingo, porque Copa no Japão é, no máximo, de manhã. Um cara ainda fala, brincando, que vai ser sete a zero pra Alemanha. Que boca, a do amigo. Mas deu Penta. E um viva a quem se dispõe a filmar e fotografar os grandes dias.
um vídeo: o que vem por aí
O Campeonato Paulista de 1988 deu numa fase final curiosa. O regulamento previa dois quadrangulares semifinais onde o campeão de cada grupo, depois de seis jogos, faria a decisão estadual. E o improvável aconteceu: a chave B ficou com os quatro grandões, Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos, terminados nesta ordem. Do lado de lá, Guarani, São José, Internacional de Limeira e XV de Jaú num torneio caipira à parte. Nas finalíssimas, o gol de bicicleta de Neto no empate da ida, pelo Guarani, e o tento salvador de Viola na prorrogação da volta, pelo Corinthians. Timão campeão. Em breve, aqui no Meu Time de Botão.
uma ficha técnica (com notas)
O Brasil visitou a Inglaterra em Wembley em 27 de maio de 2000. Era a metade do ciclo rumo à Copa do Mundo e então, em tese, meia estrada para estar no elenco final da seleção. As notas do jornal deixam claro que a seleção não empolgou. França, o melhor do Brasil e autor do gol, não chegou ao Mundial, tal qual seu parceiro de frente naquele dia, Amoroso. A Inglaterra era mais ou menos a que tomaria dois anos depois o gol de cobertura de Ronaldinho. Seaman? Saiu mal do gol no córner. Beckham? Parado na direita, limitou-se a tentar erguer bolas na área. A ficha é do Globo.
um programa da semana
O Zagallo fez mais ou menos o máximo que dá pra fazer quando um cara nascido no Brasil gosta demais de estar por perto do futebol: ele ganhou a Copa do Mundo jogando bola, ganhou treinando o time e depois ganhou como coordenador da delegação. O Velho Lobo morreu no começo deste ano e nosso programa foi para seu último trabalho como técnico, uma passagem pelo seu Flamengo que rendeu dois títulos, vários tropeços e muitas boas histórias (e discussões) num momento turbulento do clube e de todo o futebol no país. Os últimos times treinados por Zagallo, os montados no Flamengo de 2000 e 2001, no Botão.
dennis bergkamp no vélodrome é uma newsletter enviada para os assinantes das categorias Freddy Rincón e Johan Cruyff do podcast Meu Time de Botão na plataforma de financiamento coletivo Padrim. Considere recomendar nosso trabalho a amigas e amigos para seguirmos firmes com nosso projeto. Agradecemos demais a companhia e o apoio de vocês. O podcast e a newsletter são quinzenais, em quintas-feiras alternadas, numa produção de Leandro Iamin e Paulo Junior, na Central3.
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